Reflexões 2011:3
Meu grande amigo Marco Muller certa vez escreveu que meus escritos (fanzines que fazia numa época anterior aos blogs) eram "uma surpresa, sempre observativa, atualizada e obstinada, me fazendo pensar e repensar fatos circulares da época".
Não sei se minha percepção do mundo hoje é tão afiada, mas não conseguí ficar inerte quando ví essa manchete online do MSN:
Enterro virou entretenimento? |
Missa de falecimento é entretenimento? |
As aulas que faço hoje com o Mestre Gabriel, da ONG Ecoa, para mim são iluminadoras, nesta mesma perspectiva. Gabriel comentou que o artista (profissional?) tem de ter certo distanciamento dos fatos para poder produzir algo de criativo.
Por exemplo, todos os dias dezenas de pessoas morrem no interior do país, sem que isso seja manchete. Quando houve o temporal na região serrana - que tem um dos maiores IDH/indices de desenvolvimento humano do país - toda a mídia fez disso manchete, comovendo a opinião pública.
Sem querer dizer que os desabrigados não merecem atenção, acho que os pobres e carentes do interior também merecem nossas lágrimas. Como a tragédia em áreas nobres do país interessa mais aos donos da mídia do que a tragédia em regiões pobres, certas tragédias são cobertas em detrimento de outras.
Fazendo coro com o ponto de vista de mestre Gabriel, o crime na escola de Realengo/RJ é outro exemplo de como a mídia trata a tragédia como pão e circo: o brasileiro, povo passional e de cultura paternalista, quando há um crime precisa de culpados. Como o culpado se matou, a mídia mais autoridades localizaram quem vendeu as armas. Cadeia para os "responsáveis" pela tragédia. Tem mais alguém? Depredaram a casa da família do criminoso (outros "culpados"). Por fim, a mídia está discutindo a liberação de porte de armas (algo já discutido em plesbicito,anos atrás).
Agora, será que nenhum professor percebeu o comportamento "estranho" e "atípico" do criminoso, na escola? A família idem, em casa? O sistema educacional não precisaria ser revisto (vou além, a educação familiar, que está um lixo, tal qual os programas da TV aberta)?
O raciocínio é: "não está me incomodando, deixa prá lá". Raciocínio igual ao quando vemos menores vendendo limões nos sinais, quando deveriam estar na escola ou em casa, brincando, no aconchego da famíla. Pensamento igual ao quando vemos uma favela se formar próximo de nossas residências, sem fazer nada.
O resultado, em todos os casos é o mesmo: um dia o que ignoramos se volta contra nós. Somos todos meio culpados pelas tragédias que nos cercam, de certa forma, mas pior do que reconhecer isso é não fazer nada, e escolher ser levado pela opinião da mídia.
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Uma conta que não fecha para mim é o custo do progresso. Inventam-se formas de produzir mais barato, criam-se novos produtos semelhantes e similares aos tradicionais e os preços curiosamente não despencam. Vamos pegar um serviço, o acesso de internet. Primeiro havia a conexão discada; inventaram o acesso de banda larga, aumentaram a velocidade e hoje se navega na internet a 1MB por um custo de conexão discada (metade dessa velocidade), anos atrás.
Claro, há que lembrar que o ser humano trabalha com a idéia de "percepção de valor" - o que determina o valor das coisas é a visão que se tem delas, e não necessariamente o custo de produção, por mais que isso tenha limites práticos ou elásticos: veja esse vídeo sobre como as coisas são feitas para entender melhor.
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No curso que faço assistí a uma apresentação que se baseou na música Haiti de Caetano Veloso e Gilberto Gil. A letra é uma das maiores obras-primas da música, e não é à toa e a Wikipedia afirma que a importância da dupla é comparável a de Lennon e McCartney (vide artigo sobre Caetano):
"Quando você for convidado pra subir no adro
Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui"
Letra completa aqui.
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