segunda-feira, agosto 20, 2007

A alma imoral

Adaptação, concepção e interpretação de Clarice Niskier
Direcção de Amir Haddad
Texto original de Nilton Bonder
Teatro do Leblon - RJ
 
Esta peça vale a pena ser vista, não só pela divulgação que está tendo na mídia como pela qualidade da montagem e do texto. Este último por sí só já vale o espetáculo, assim como a interpretação de Clarice Niskier.Apesar da peça discorrer sobre temas abstratos e seríssimos
como traição, existência, justiça e fé (como num seminário de teologia ou filosofia) o monólogo é cuidadosamente dirigido e equilibrado com o humor de Clarice. Uma mostra disso é que a peça é aberta a intervenções do público, seja para repetir algumas passagens - aforismas ou pequenos monólogos - ou comentários sobre como a peça surgiu.

Um dos primeiros textos discorre sobre "o ser e o nada", quando diz que "um animal que não se sabe animal, é um animal. Um animal que se sabe animal, não o é. Um homem que não se sabe
homem é um animal. Um homem que se sabe homem é um ser humano". O pensamento - simples porém extremamente profundo - remete a passagens da bíblia, e dá margem a conclusões como: um homem que se sabe homem - ao contrário do animal - não deixa de sê-lo, não se supera. Somente um homem era superior ao humano: Cristo. Somente Cristo se sabia ser homem e superar esta condição, pois era filho de Deus (conclusão minha!).

A peça segue num crescendo de complexidade a medida que avança "o homem que é fiel ao compromisso do casamento trai (a sua alma, que precisa de liberdade); o homem que trai este
compromisso trai (a companheira); o homem que trai o compromisso e sai do casmento trai (a companheira e o compromisso)".
Lembrei imediatamente da música "Carne e osso" de Zélia Duncan (tema da novela global "Os sete pecados"):

"quem se diz muito perfeito/na certa encontrou um jeito/insosso/pra não ser de carne e osso". Como a vida é feita de escolhas, é impossível não (se) trair em qualquer situação.

O grande mérito do texto de Nilton Bonder é inverter o senso comum para mostrar um novo ponto de vista sobre assuntos já conhecidos (como faz a filosofia), de passagens da bíblia à
fidelidade ou a fé. Clarice por sua vez soube colocar a sua nudez em cena (a peça ao falar sobre a alma, a desnuda a sí e ao corpo que a abriga; o físico magro de Clarice, por sua vez, não remete à
sensualidade/sexualidade em nenhum momento) e o vestuário também, ao utilizar o manto negro ora como uma burka (roupa das mulheres muçulmanas), ora como vestido ou como manto conforme o teor do texto declamado.

Enfim, uma peça que vale a pena ser vista (e mais de uma vez).

Mais informações: http://www.almaimoral.com/

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